Um ditado popular antigo diz “uma andorinha sozinha não faz verão”. Quando se fala de qualquer movimento que promova alguma transformação, existe algo comum entre eles: a coletividade. E coletividade é uma palavra que tem significado especial para Adriana Barbosa, empreendedora entrevistada no terceiro episódio do Chamaê, podcast do Nubank com Emicida.
“Eu não consigo pensar se não for em comunidade, se não for em rede”, diz ela. Adriana é criadora da Feira Preta, maior festival de cultura afro da América Latina; da PretaHub, uma plataforma de criatividade, inventividade e tendências negras; e da Casa PretaHub, um espaço de economia colaborativa com cunho econômico e cultural, de difusão e preservação artística da cultura negra.
Nascida e criada em uma família matriarcal, foi da mãe, avó e bisavó que vieram as suas bases de empreendedorismo. Em 2002, ela realizou a primeira Feira Preta, evento que ajudou a revolucionar a cultura e o empreendedorismo negro brasileiro.
Adriana é uma mulher forte e de sucesso, mas que ao mesmo tempo fala de forma franca sobre as suas vulnerabilidades e sobre o que também não deu certo nessa trajetória. Muita água passou por debaixo da ponte até ela ser eleita uma das mulheres mais poderosas do Brasil pela Forbes e fazer parte da lista do MIPAD (Most Influential People of African Descent) de pessoas negras mais influentes na cultura e mídia do mundo.
Adriana entende que é espelho e ponte para uma nova geração de mulheres pretas que, como ela, estão chegando para revolucionar.
No Chamaê, Adriana e Emicida promoveram um papo rico cheio de histórias e falaram sobre cultura, empreendedorismo, africanidade, família, dinheiro e racismo. A conversa inteira pode ser ouvida dando o play logo abaixo.
A seguir, veja os principais destaques do episódio.
A família e a rede de apoio
Adriana cresceu em uma das únicas famílias negras de um bairro de classe média em São Paulo. “Minha avó trabalhou 70 anos como empregada doméstica numa casa, e essa família a ajudou a comprar uma casa num bairro de classe média, com poucas pessoas negras ao redor. Eu só fui florescer quando me entendi como uma menina preta.”
Criada por uma família matriarcal (mãe, avó e bisavó), Adriana viu todas essas gerações de mulheres trabalharem como empregadas domésticas e, ao mesmo tempo, apoiarem umas às outras.
“Pra eu ser criada precisou da minha mãe, avó e bisavó presentes. Pra minha filha, preciso da minha mãe e da minha avó. Não consigo fazer nada sozinha. É uma aldeia. Uma das nossas especificidades da população negra, dessa diáspora do continente africano, é a nossa comunidade.”
Adriana Barbosa
A empreendedora acrescenta que é um pouco dessa atmosfera que ela tenta trazer para a Feira Preta: um lugar onde as pessoas se sintam pertencentes, compartilhem uma identidade, vejam pessoas parecidas com elas e ganhem musculatura emocional para expandirem-se.
A feira é preta
A ideia de fomentar o empreendedorismo e gerar dinheiro entre pessoas pretas veio de um incômodo de Adriana ao perceber que nos espaços de cultura negra que ela frequentava todos os funcionários eram pretos, mas os donos eram brancos. “O dinheiro não passava na nossa mão”, diz.
Foi aí que ela decidiu reunir pessoas pretas que queriam vender com as que querem comprar, além de artistas negros no mesmo local.
A Feira Preta foi inovadora no Brasil, mas ela vem de um conhecimento ancestral. “A história do empreendedorismo pra população negra é algo muito natural. A gente empreende desde a abolição”, reflete Adriana.
Essa ancestralidade da qual ela fala vem das feiras e mercados africanos que são muito fortes até hoje e cujo modelo se alastrou por todo o mundo. “A feira em si é um pouco desse modelo intuitivo dos mercados africanos”, diz ela. “No Senegal, eu vi que era a mesma coisa. Na Colômbia também, na região dos Quilombos. Em Nova York, a mesma coisa. A forma, a manualidade, é tudo muito parecido, não importa onde estejamos. A gente performa muito parecido, porque vem dessa diáspora africana”, diz.
A Feira Preta começou, de fato, em 2002, na praça Benedito Calixto, no bairro de Pinheiros, São Paulo, com 40 empreendedores. De lá para cá já são 20 anos de evento, mais de 200 mil participantes, mais de 1700 expositores e R$ 6 milhões circulados entre empreendedores negros.
Uma história de luta
Emicida abre a conversa comentando um fato histórico. Antes da consolidação dos direitos civis nos Estados Unidos, as piscinas públicas dos bairros eram de uso exclusivo de pessoas brancas. Com a conquista de direitos, a população negra passou a poder frequentar algumas dessas piscinas, mas algo aconteceu: “Os racistas resolveram drenar a piscina. Eles preferiram perder o espaço de lazer em vez de dividi-lo com os pretos”. Com essa história, Emicida questiona Adriana como ela entende esse momento atual em que a população negra brasileira reivindica a sua africanidade.
Para ela, à medida em que a população se autodeclara negra, automaticamente reivindica mais direitos e espaços. Mas essa luta não começou hoje. “Na segunda edição da Feira Preta, os moradores da região e a associação local fizeram um abaixo assinado alegando, dentre várias coisas, que eles não gostavam do que a gente trazia como cultura”, conta Adriana. “Sempre foi uma correria muito associada à luta, briga por espaço e por dinheiro”.
É preciso falar de dinheiro
Criada em uma família humilde, o dinheiro nunca sobrou na vida de Adriana. Quando a Feira Preta ainda não rendia o suficiente, ela aplicava tudo o que ganhava para viver ao longo do ano, e precisava fazer trabalhos como freelancer em produção de eventos para incrementar a renda e se sustentar.
Porém, segundo Adriana, foi necessário que ela visitasse a sua relação com o dinheiro. “Fui me entender com dinheiro na terapia. Quais eram as minhas crenças? Eu venho da geração da escassez. Minha avó nasceu em 1917. A mãe da minha bisavó foi escravizada. O dinheiro era mirradinho, então era aquela lógica de segurar o dinheiro e trabalhar”.
Essa visão fez com que, por muito tempo, os patrocínios da feira fossem negociados por valores baixos e que o evento gerasse menos receita do que poderia. “Eu pensava que pelo menos estavam me vendo. Isso faz com que a gente não valorize aquilo que faz”, diz ela. “Aprendi a duras penas, apanhando demais e lidando de forma muito pessoal, que não dava pra negociar por baixo, porque o que eu fazia tinha valor”.
Para ela, é essencial modificar essa visão. “Foi ensinado pra gente que não podemos acumular. Por que não podemos fazer as pazes com o dinheiro? Precisamos mudar essa mentalidade.”
Os desafios do empreendedorismo
“O sucesso, quando a gente fala de empreendedorismo, negócio, parece que tem um caminho preestabelecido. Faz A, depois B, que aí você consegue. Como você coloca essa dimensão?”, questiona Emicida.
E a resposta de Adriana é franca e esclarecedora. “Eu já passei por altos e baixos, já fali, pensei em desistir muitas vezes e não falo receita de bolo.
“Empreender não é glamour. Depois que eu me dispus a estudar, passei por programas de incubação e aceleração. Não é só intuição. Tem que parar, aprender e se abrir para coisas novas.”
Adriana Barbosa
Agora, Adriana está a serviço dos sonhos de outras pessoas, criando uma rede que potencializa empreendedores negros. Afinal, empreender é o grande desejo de 76% da população periférica brasileira, segundo dados do Data Favela, em parceria com o Instituto Locomotiva.
“A gente encomendou essa pesquisa com o Instituto Locomotiva porque eu queria falar de sonhos. A gente só fala de resistência, dos problemas, da discriminação, mas eu não quero mais falar mais disso. Eu vivo esses problemas no meu dia a dia. Bora perguntar pras pessoas de sonho”, diz Adriana Barbosa.
Ou seja, para fortalecer as redes e a colaboração entre empreendedores negros, a Feira Preta nasceu e para continuar potencializando o crescimento dessas pessoas e ajudá-las a alcançar suas metas e sonhos, o trabalho de Adriana continua.
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