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“Sagrado é quem lê”: Sergio Vaz e Emicida no podcast Chamaê

Autor de oito livros, o poeta e agitador cultural Sergio Vaz foi o segundo convidado do Chamaê, podcast do Nubank com Emicida. Veja os pontos altos do papo e ouça o episódio.

Se até poucos anos atrás dava para contar nos dedos os autores negros e periféricos brasileiros que ganharam algum reconhecimento em vida, essa história finalmente começou a mudar. E quando se fala de literatura periférica, Sergio Vaz talvez seja um dos maiores nomes do Brasil.

Foi com o intuito de discutir a literatura e vida (e como ambas se intercalam nele) que ele foi convidado a participar do segundo episódio do Chamaê, um podcast do Nubank com Emicida.

Ouça o episódio completo:

Sergio Vaz não carrega consigo um currículo acadêmico recheado e nem tem um assento na Academia Brasileira de Letras (ainda), mas através dos versos e rimas ele iniciou, em 2001, um movimento do tamanho do seu sonho, como ele mesmo diz: “A Cooperifa é um sonho de humanidade”.

Cooperifa, ou Cooperativa Cultural da Periferia, é o nome do sarau organizado pelo escritor no bairro Jardim Guarujá, zona sul de São Paulo. Dentro do bar do Zé Batidão, Sergio ressignificou um espaço para reunir pessoas de todos os perfis e idades com uma paixão em comum: a literatura. Hoje, os saraus costumam reunir cerca de 200 pessoas por edição.

“A literatura diz coisas que eu quero dizer e não tenho capacidade. Coisas grandiosas, que eu acredito e admiro. E aí eu busco exercer minha humanidade através da literatura. Se não fosse a literatura, talvez eu não estivesse aqui.”

Sergio Vaz

De verso em verso, já foram oito livros publicados, sete prêmios (entre eles um da Unicef), e conquista da alcunha de “o poeta da periferia”. Na conversa com Emicida para o Chamaê, ele reflete sobre a real dimensão do quanto as palavras (ditas e escritas) revolucionam.

Em um papo íntimo que mostra bem a relação dos dois, que cultivam uma amizade antiga, Emicida e Sergio Vaz vão fundo ao nos apresentar o maravilhoso mundo da mente dos poetas. 

O episódio já está no ar – para quem busca se inspirar, pensar e entender o poder da periferia, basta dar o play. Não deixe de conferir também o papo entre Emicida e Marina Sena

A descoberta das palavras

Sergio viveu a sua juventude nos anos 1970 e 1980.Morador de um bairro da periferia na Zona Sul da capital paulista, forjou-se poeta no bar do Zé Batidão, cujo dono era seu pai.

“Todo mundo passava por lá e eu ouvia as histórias dos caras mais velhos. Depois de adorar o deus chamado trabalho, os trabalhadores iam pro divã e o psicanalista era eu. Acabei aprendendo a observar. Sou capaz de passar horas num lugar observando”, diz o escritor.

Nessa época, a leitura já fazia parte da rotina dele, junto com o hábito de rascunhar. Um dos clientes do bar, um sujeito estranho com mania de perseguição, sempre falava sobre uma suposta ameaça que era invisível aos olhos de Sergio. Ao questionar esse cliente sobre nunca ver essa tal ameaça, ele respondeu o que o poeta considera como a sua primeira aula de poesia: “Como você quer ser poeta se não enxerga o que não pode ser visto?”.

Naquela época e lugar, ler abertamente não era fácil. Segundo Sergio, as pessoas não gostavam de quem lia. Essa percepção é compartilhada por Emicida: “Eu lia escondido, só em casa. Não sentava na calçada ou perto da janela, porque quebrada é aquela coisa. Os caras passavam perto da sua casa, subiam no vitro e falavam: ah, tá lendo, né?”.

“Pro pouco de incentivo que se dá para a leitura, o brasileiro lê é muito. Lê de teimoso, de enxerido, porque se pudessem tinham passado até cadeado.”

Emicida

Nasce a Cooperifa 

A tradição dos saraus pode ter nascido entre elites, mas é nas periferias que ela respira hoje. Além dos saraus, existem também os slams, como são chamadas as batalhas de poesia – que são bem próximas dos duelos de MC’s. E essa vanguarda periférica é fruto do trabalho de vários intelectuais do movimento negro e do hip hop, como Sergio Vaz.

Toda terça-feira, centenas de pessoas se reúnem no Bar do Zé Batidão para transformar suas dores, lutas e alegrias em rima e poesia. De boca em boca, o movimento foi crescendo, até se tornar um dos maiores saraus do país. 

“Você pode falar, ser ouvido e ninguém idolatra mediocridade. Todo mundo em busca do conhecimento. Uma faculdade onde ninguém ensina e todo mundo aprende”, diz Sergio sobre o Sarau da Cooperifa.

Ele complementa: “O cara chega no sarau e pensa ‘pô, meu vizinho tá fazendo, eu também posso’. E aí você começa a desmistificar a literatura, dessacralizar. Sagrado não é quem escreve, sagrado é quem lê, e esse sagrado tá no povo.”

“Não é o povo que está precisando da literatura, é a literatura que está precisando do povo.”

Sergio Vaz

A vanguarda literária da periferia

Já parou para pensar onde estão os leitores ativos do país? Na hora de fazer essa reflexão, poucos imaginam que esses leitores estão entre as pessoas de renda mais baixa. Afinal, o senso comum diz que a leitura é um hábito das pessoas mais ricas, ou formalmente instruídas.

A realidade é outra: a maior parte dos livros é consumida por pessoas das classes C, D e E, segundo dados do Instituto Pró Livro (veja mais aqui).

“Quando começaram os saraus e slams, eu vi um certo ressurgimento, mas com características do nosso tempo”, diz Emicida. “Um pertencimento, uma expansão, apropriação cultural – a verdadeira. Sinto, de verdade, que a poesia, literatura e arte encontraram o caminho de casa”.

Para Sérgio, esse movimento vai ainda além: a periferia criou o próprio ecossistema. “Fomentamos esse movimento para as pessoas lerem o que a gente escreve. A gente não estava preocupado se estava na livraria. Criamos uma cena para nós.”

“Quando as pessoas falam: ‘ah, o Brasil não lê’, tem uma certa ressalva, a periferia tá lendo.”

Sérgio Vaz

O sentido da vida pela poesia

Um dos versos mais famosos de Fernando Pessoa diz:

“O poeta é um fingidor

Finge tão completamente

Que chega a fingir que é dor

A dor que deveras sente”.

Nesse poema, Fernando Pessoa afirma que as dores do poeta são genuínas. Ou seja, o poeta encarna a dor que realmente existe dentro dele. E, segundo Sergio Vaz, é justamente nisso que está o sentido da literatura.

“João Cabral de Melo Neto fala que quando você acende uma vela, a primeira pessoa que se ilumina é você. Quando alguém te encontra na rua e fala: ‘mano, aquilo que você escreveu me ajudou’, você entende que, além de belas, as palavras precisam ser úteis”. 

“As pessoas percebem quando não é verdadeiro. Um sofredor identifica o outro.”

Sergio Vaz

Para fechar o papo, Emicida faz uma pergunta perspicaz: “Você vê poesia na vida e, se não encontra com ela, faz com que ela surja. Como manter essa poesia hoje?”.

E a resposta foi esclarecedora. “Sou um cara que sonha com as mãos. Eu  gosto de praticar o que eu falo e eu acredito naquilo que eu falo. Me mantenho vivo acreditando nas pessoas e nada me assusta mais do que o medo de fracassar como ser humano. De ter passado por aqui, ter esse milagre de estar vivo com saúde e não ter aproveitado.”

“Quando eu morrer, quero na minha lápide escrito: ‘foi daora, se me chamar eu volto'”

Sergio Vaz. 

Quer saber mais sobre Sergio Vaz? Leia também:

“Sagrado não é quem escreve, sagrado é quem lê”: Sergio Vaz e Emicida discutem vida, história e literatura no podcast Chamaê

Chamaê: quatro livros e autores fundamentais, segundo Sergio Vaz

Não deixe de acompanhar todas as novidades sobre o Chamaê, como os novos conteúdos e episódios na página especial do podcast no blog. 

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