O senso comum faz a gente imaginar que ler é um hábito de famílias com mais oportunidades de se educar e, portanto, mais ricas. Até mesmo órgãos públicos como a Receita Federal já tomaram medidas com base nessa crença popular. Em 2021, o Fisco recorreu a esse argumento para defender a ideia de que os livros deveriam ser taxados em 12% nas editoras do país pois impactaria apenas a camada mais rica da população.
Os dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares, do IBGE, divulgada em 2019, mostravam que os lares com renda de até dois salários mínimos gastavam, em média, R$ 0,81 por mês com a aquisição de livros, o que equivale a 0,1% dos gastos totais da família. Já aqueles com renda maior do que dez salários mínimos consumiam até R$ 14,95 com leituras, o que representaria apenas 0,2% dos gastos totais de uma família nessa faixa de renda.
A partir disso, a conclusão foi a seguinte: se famílias de baixa renda consomem menos livros não didáticos, elas não serão afetadas pelo fim da isenção tributária sobre esses livros, certo? Não necessariamente. Incomodados com o que era sugerido, os advogados e pesquisadores Fernando Raposo Franco e Daniel Serra Lima decidiram rebater os números – e descobriram que a realidade era outra, bem diferente.
“Naturalmente, uma família com renda mais alta gasta mais do que uma família de renda mais baixa em valores absolutos. Isso se dá em relação a qualquer item, não só os livros. Mas não é verdadeira a afirmação de que a maior parte dos livros no Brasil é adquirida por famílias ricas”, afirma Fernando. Consultando os mesmos dados do IBGE, ele e o colega descobriram que, na verdade, o percentual de leitores de alta renda era de apenas 23,6%. Isso significa que quase 80% do consumo de livros no país é feito por famílias fora da faixa de maior renda mensal, acima de 14 mil reais.
“Nossa ideia foi mostrar que as famílias de baixa renda consomem livros, e consomem bastante. Então, se a gente for definir uma política pública que entre no lugar dessa isenção, não devemos partir da premissa errada”, destaca o pesquisador.
O que se sabe sobre o perfil de leitores do país?
No Brasil, existem cerca de 100 milhões de leitores, segundo a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, feita pelo Instituto Pró Livro e divulgada em 2020. Desse total, 70 milhões são das classes C, D e E. São famílias com renda entre um e cinco salários mínimos.
Comparando a série histórica do projeto, que se iniciou em 2001, é possível notar que o número de leitores de classe A e B e com ensino superior está diminuindo quanto mais esse grupo substitui os livros pelas telas. O uso de redes sociais, aplicativos de conversa e o consumo de programas de televisão, filmes e séries figuram entre as atividades mais realizadas no tempo livre dos entrevistados, o que pode explicar a diminuição do número de leitores nessa faixa de renda.
Ao fazer um recorte por idade, descobre-se que a faixa etária que mais lê oscila entre crianças e adolescentes. Os pequenos não só leem mais, como também demonstram interesse espontâneo pelo hábito: 48% dos leitores entre 5 e 10 anos de idade respondem que gostar de ler é o que os estimula. Essa motivação cai para 17% entre os jovens de 18 a 24 anos.
Leitura na periferia
Enquanto o debate público acontecia, a adolescente Lua Oliveira articulava uma revolução silenciosa na comunidade do Tabajaras, na Zona Sul do Rio de Janeiro, ao perceber a realidade dos números na prática. Após visitar a Bienal do Livro, em 2019, a jovem voltou para casa com um incômodo.
“Uma coisa que me chateou muito foi ver crianças pedindo livros e não podendo levar pra casa. Chegando na minha comunidade, me dei conta de que as crianças daqui não puderam nem ir à Bienal. Isso me deixou mais chateada ainda”, relembra. Foi assim que nasceu a ideia de criar a biblioteca comunitária O Mundo da Lua. Na ocasião, ela tinha 11 anos.
Lua transformou uma sala da Associação de Moradores do Tabajaras em um espaço dedicado à biblioteca, mas ainda faltavam os livros. Após publicar um vídeo nas redes sociais pedindo por doações, tudo mudou. “Depois que o vídeo viralizou, em quatro dias nós já tínhamos mais de dois mil livros. Tudo que foi montado na biblioteca saiu do nosso bolso e das doações”, completa. Aos poucos, o espaço foi se expandindo e se tornando uma referência cultural no bairro para crianças e adolescentes.
Nesse trabalho de formiguinha, Lua chegou longe. “Todo dia chega livro novo e nosso espaço já tem quase 9 mil livros”, diz a adolescente, que também ajudou a articular outras 57 salas de leitura, espalhadas pelo Rio e por outros cinco estados: Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais, Pará e Piauí. Entre o público que frequenta a biblioteca, estão pessoas de todas as idades, pois além dos livros também são oferecidas aulas de dança, teatro e palhaçaria.
Não existe um limite para a retirada de livros: as crianças e seus responsáveis podem pegar quantos títulos quiserem, ler e devolver depois. O principal objetivo é estimular esse hábito entre pessoas que não teriam condições de comprar um exemplar. Por dia, são esperadas de 20 a 30 crianças, entre seis e 10 anos. Já o público de adolescentes é variado, indo dos 12 aos 16 anos.
Hoje, aos 14 anos, Lua tem objetivos ainda mais ambiciosos para o projeto. Uma nova sede já foi montada e aguarda a inauguração. Lua também é frequentemente convidada para dar palestras em escolas e contar como a leitura mudou sua vida. “É comum ver pessoas usando os livros como objeto de castigo e por isso a gente acha que ler é uma coisa chata. No meu caso, eu acho que a literatura mudou a minha vida. É um jeito de poder se acalmar, ter um momento só seu. Ela desperta coisas em você que você não tem ao longo do dia, com outras pessoas. É um jeito de organizar os pensamentos”, conclui.
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